A prática de comunicações informais entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e órgãos de investigação como o Ministério Público (MP) e a polícia tem gerado intensos debates no meio jurídico. Especialistas apontam que tais práticas violam direitos fundamentais e contrariam jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Comunicação formal: uma exigência legal
O STF e o STJ têm sido claros ao determinar que qualquer comunicação entre o Coaf e órgãos de persecução penal deve seguir canais formais e institucionalizados. No Tema 990 de repercussão geral, o STF estabeleceu que o compartilhamento de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) é permitido apenas mediante procedimentos formais e resguardado por sigilo.
Segundo o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, a informalidade compromete o respeito aos direitos dos cidadãos e prejudica a qualidade das investigações. Ele destacou que o STF já se posicionou contra pedidos informais de dados, reforçando a necessidade de regulamentação formal.
O papel do Coaf nas investigações
O Coaf atua como uma unidade de inteligência financeira, produzindo relatórios que auxiliam no combate à lavagem de dinheiro e outros crimes. Em 2023, a instituição gerou, em média, 38 relatórios diários atendendo a demandas de autoridades policiais e do MP.
Contudo, a troca informal de informações, como revelado pelo delegado Erik Salum, cria um cenário de insegurança jurídica. Salum explicou que, em casos complexos, delegados frequentemente recorrem a contatos diretos com analistas do Coaf para obter orientações ou selecionar dados, o que contraria a legislação vigente.
Impactos da informalidade
- Violações de direitos fundamentais: A informalidade pode resultar em práticas investigativas que ferem o direito à privacidade dos cidadãos.
- Insegurança jurídica: A falta de regulamentação clara abre espaço para interpretações divergentes e práticas abusivas.
- Prejuízo à eficiência investigativa: Informações obtidas de forma irregular podem ser desconsideradas em processos judiciais.
Divergências jurisprudenciais
A informalidade também gera confusão jurídica. Atualmente, há divergências entre as turmas do STF:
- A 1ª Turma permite o compartilhamento de dados sem autorização judicial.
- A 2ª Turma exige autorização judicial prévia para o envio de informações.
Essas diferenças repercutem no STJ, que inicialmente considerava ilícito o compartilhamento informal de RIFs, mas tem adaptado suas decisões em função do STF.
Necessidade de um marco legal
Os especialistas defendem a criação de um marco regulatório para o uso de dados no âmbito da segurança pública. Isso garantiria mais clareza e segurança tanto para os cidadãos quanto para as autoridades.
O presidente do Coaf, Ricardo Liáo, ressaltou a necessidade de o STF estabelecer critérios claros para regulamentar o acesso a dados, de forma a evitar abusos e práticas como a “pesca probatória” (fishing expedition).
Conclusão
A comunicação informal entre o Coaf e órgãos de investigação não apenas viola direitos fundamentais, como também compromete a integridade das investigações. Para evitar abusos e reforçar a segurança jurídica, é urgente a adoção de medidas regulamentares que orientem e delimitem o uso de dados nas atividades investigativas.